José Roberto Celestino

julio 10, 2023

Entrevista com José Roberto Celestino

@joserobertocelestino_

Pernambuco, Brasil.

Por Roger Omar. 7/Julho/2023.

-Intuição ou razão? Como ambas operam e sua vida e qual com maior força?

Não sei qual escolheria, admiro pessoas e produções que parecem mais intuitivas que racionalizadas, e (até por esse dúvida aqui na resposta) eu sinto que sou mais racional, mesmo não sendo nada assertivo ou analítico, normalmente penso ou me detenho nas situações (com muita frequência, para acabar não fazendo nada), mesmo quando sou impulsivo, sinto que é mais porque evitei pensar tanto e não que eu sigo alguma certeza. 

Fazendo arte me interessa experimentar e improvisar, muito também pela falta de certeza, mas vários passos só sinto que consigo realizar definindo alguns pontos. Gosto muito de chegar em imagens e textos e sensações sem pensar tanto, quase como leio, ainda que seja eu quem tá anotando, e depois, num processo mais racional, defino uma forma pensando que vou apresentar a alguém mas tentando não fechar demais em “o que entendo”, “o que faz sentido” ou “qual a intenção”. Acho bonito quando as sensações que algo transmite flutuam em elementos da forma mas não são tão destacáveis “isso se deve aquilo”. Não sei, ao mesmo tempo lembro de que eu não sou bom em analisar. Vai ver várias coisas que acho que o que traz sensação é difuso é na verdade muito óbvio. Vendo filme policial eu sequer me pergunto quem pode ter cometido o crime.

-Em que se diferencia o José que sonha do José da vida real?

Eu me lembro muito pouco dos meus sonhos, quase sempre são formados de pequenos lapsos, bem comum que sofram influência da luz do ambiente, e também dos sons. Acho que é comum meus pensamentos correrem sem foco também porque sou desatento, nisso talvez a concordância de ambas as condições me faça ser muito quieto nos sonhos, não faço muitas ações, nem tenho pressa ou pensamentos demais, mesmo quando há aflição talvez seja mais constante, de algo desencadear uma tristeza, por exemplo, e ela prevalecer sem ser questionada, ou então ser rebatida pelo tom que o sonho já tinha e vai seguir tendo. Mas não sei mesmo, não consigo pensar em grandes exemplos para comparar ajo nos sonhos.

-O que prevalece em seus sonhos: as sensações ou as histórias? E em teus quadrinhos?

Em ambos, sensações. Meus sonhos não costumam envolver grandes acontecimentos, normalmente são pequenas situações muito isoladas e difusas: conversas, ações, surpresa com algo ou algum objeto.

Não sei se já havia relacionado, mas nos meus quadrinhos também acontece sempre muito pouco, nem considero tanto como histórias, são situações mesmo, momentos, pensamentos. As vozes não vêm de personagens muito definidos e suas personalidades ou são vagas ou só aparecem de uma ou outra forma ditando o que acontece: o que os personagens acham, como se movimentam. Então até tem história no sentido de situações, mas são tão simples que a prevalência está nas sensações dos personagens.

Além disso, penso na sensação de quem vai ler, a maioria é de humor, então fazer escolhas que envolvam rir ou achar que engraçado, ridículo, fofo. Isso vale para outras sensações também, o que fazer para priorizá-las ou deixá-las aparecer. Fora uns bem abstratos, que não sei, penso ou procuro formas tentando fazer com que a sensação de ver sejam próximas das que me interessam ou imagino para aquelas formas.

-Qual é a relação com seus sonhos? Há personagens ou cenários recorrentes neles? Como funciona o mecanismo dos teus sonhos?

Acho que não quanto a personagens recorrentes. Normalmente o que acontece é bem banal, no máximo são situações comuns mas com pessoas improváveis (que não conheço na vida real ou que não existem ou que não encontraria em determinado contexto). É comum eu mesmo não aparecer nos sonhos fisicamente, tipo visualmente, sou eu presenciando ou mesmo lendo ou assistindo algo, que de tão banal me pergunto depois se verdade, acho que passo tempo demais na internet e relegar o mundo físico chega assim nos meus sonhos. Não sei. 

Quanto a relação acho bonito quando tem algo interpretável, os significados se fazem tão rapidamente! Acredito o que gera as imagens e situações dos sonhos, por mais surpreendentes que sejam, dialoga com minhas percepções, valores, vontades. Mas é curioso ver ou ouvir algo que diz muito de você mas que não sabia até então ou não conseguiria formular. Acho que isso tem a ver com arte.

-Recorda algum sonho que teve na infância?

Queria, mas não exatamente. Lembro de que uma vez sonhei que eu tinha uma boca no joelho, mas acho que não havia contexto nenhum e não lembro se era tão criança, fui guardando como sendo o mais esquisito que tive, que nem sei se é porque realmente me lembro de muito poucos. Sonhei uma vez com o que parecia um ninho de pássaros, tipo o material dos ninhos, mas era muito e com cágados tão grandes tanto, só lembro dessa imagem e de acordar com medo, era criança também, sempre senti medo de cágados, são recorrentes.

-Quais os seus maiores medos no mundo dos sonhos? Já teve algum pesadelo recorrente?

É recorrente a aparição de cágados e mais ainda de sapos nos meus sonhos, e acho curioso assim que acordo (com susto até) o quanto dá medo, não aparecem de maneira esquisita, no máximo em escalas diferentes, e tenho medo de sapos na vida real, mas em sonhos eles me causam um medo bem inexplicável porque lá também eles não fazem nada. Meu quadrinho para a zine do Soñario é baseado em um desses, um até com acontecimento bem diferente: uma rua ladrilhada por sapos. Porém não consigo dizer que tenho pesadelos recorrentes, porque não são situações que se repetem.

-Desenha quadrinhos como quem escreve poesia na lista de compras… Em que condições se sente motivado a desenhar? Qual a origem de suas histórias? Por que desenha quadrinhos?

Eu não preparo ou espero nada para escrever quadrinhos, mas também não acho que me vem com a maior facilidade de todas, eu costumo chegar ou fazer algo que penso que pode ser um quadrinho enquanto rabisco sem propósito, mas, claro, penso em textos e imagens enquanto faço outras atividades não relacionadas (lavando louça, tomando banho) então anoto ou lembro depois e desenvolvo algo.

Acho que as minhas histórias são muito baseadas em criar pequenas linhas de associações, nisso, de novo, quase não sinto como histórias, são mais anedotas, pensamentos, listas, conversas, momentos, algo assim. Gosto de música, do texto em música, de uns alusivos e fragmentados, acho que absorvo muito de arte e percepção assim, de qualquer forma. Meus quadrinhos costumam surgir em ter um ponto (uma imagem, um texto, uma ideia) que seja vago mas curioso, e seguir com isso criando um circuitinho de similares, várias vezes utilizo restrições (rimas, limites, etc) para delimitar o que posso fazer e não ficar tão perdido em possibilidades, também para chegar em resultados mais curiosos a que pensamentos mais causais não levariam.

Claro que também penso muito a partir de situações cotidianas, no que vivo ou me deparo ou penso, os levo estreitamento ou metaforicamente. Tem muito de vergonha, de arrependimento, esses dão vontade de registrar por uma vontade de dizer para mim “eu sei que é ridículo” e rir, relevar ou me fazer lembrar. Esse é um porquê eu desenho, mas a vontade de criar circuitinhos de imagem, texto e, nisso, efeito, é realmente algo para mim. Algo que circule uma graça. Devem ter outros (uns 3 e meio).

-É um bom leitor de seus próprios quadrinhos?

Acho que questiono detalhes nos meus quadrinhos mais do que na maioria dos que leio, mas isso não impede quase nada, várias vezes enxergo furos no texto enquanto tô fazendo e mesmo assim continuo, principalmente porque me interessa mais criar um encadeamento de imagens do que um fim ou apresentar uma mensagem muito definida. Então deve ser só porque posso ver os elementos mais separados ou que posso alterá-los. 

O que me questiono é o que os textos e imagens aludem ou geram, normalmente gosto que possuam abertura, que não vão tão longe sem nenhuma especificidade mas que não confirmem demais alguma ideia exterior, mesmo que eu acredite, porque acho que isso torna desinteressante. Ainda assim, meus quadrinhos são muito básicos e lineares, a forma quase não muda (requadros, paginação), construção de personagem ou plot, eu mal penso, vou para abstração ou formas opostas, óbvias ou genéricas para que não fique tão difícil e eu acabe não fazendo.

Acontece muito de, quando leio o que já fiz, achar que várias imagens e textos são ruins ou preguiçosos, mas que ao desenhar me vejo fazendo outra vez e aceito, porque penso que não ligo para isso nos de outros autores, que algumas imagens continuam voltando porque ainda guardam significado para mim, nem que seja idealmente, então voltam com papel diferente interagindo com formas que ainda não tentei em favor daquele novo quadrinho.

Mas sei também que é desculpa para seguir fazendo, se eu tivesse que fazer só um não faria nenhum, não confio nas ideias ou no resultado, nem tenho paciência de planejar demais, quando vou publicar mal consigo ler, leio para não deixar passar algum erro já no fim, nos impressos vejo borrões ou detalhes porque já não consigo ler e sei que lendo, não vou gostar muito, nisso penso que farei outros.

Quando gosto é engraçado, porque acho divertido que fiz e existe e não é horrível, mas não significa muito pros novos, fora um “tá fiz algum” haha. Normalmente eu demoro para achar que gosto, acho que tem a ver com esquecer o que queria fazer e ler como leitor, não autor. Mas isso continua se alternando, leio ainda depois e me envergonho ou acho ruim.

Nos quadrinhos de outros autores eu gosto muito de estar e ver e seguir o que deixaram feito, e  como fazem, não me pergunto tanto, lendo os meus é um pouco checar o que fiz lá, se eu consegui fazer um quadrinho autônomo que eu gostaria de ler sendo ele de outra pessoa. 

-Recomenda um punhado de desenhistas de quadrinhos…

Gosto muito de Manda Conti (@um.mandac), Zoë Colling (@lasterdays), Juliette Collet (@diaryofjuliettecollet), Lilian Sim (@thirdboredom), Karen Fagu (@karenfagu), Daniel Liberalino (@kurtzincongo).

*Autorretrato de José Roberto Celestino. 2/Julho/2023.

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